quinta-feira, 2 de março de 2017

Sequência do golpe de 2016 tem início na AP 470, por Cláudio Freire

Concordo integralmente com a tese do colega Marco Antônio 
para explicar o quadro político atual. Gostaria 
apenas de fazer uma pequena sugestão de 
complementação da narrativa por ele desenhada.

Sem dúvida, também considero que o ensaio da AP470 despertou dois movimentos subterrâneos de desestabilização do governo Dilma, e que o segundo movimento (montar uma super bancada na Câmara, centrada em Eduardo Cunha e com foco especial sobre a Petrobrás) foi o que preponderou. Mas acho que alguns outros fatos contribuíram também para o golpe, e que esses outros fatos garantem protagonismo também para o primeiro grupo (PSDB + Lava Jato + Judiciário + Mídia).
Refiro-me à conjunção entre a crise econômica (com a influência também de importantes fatores externos - queda dos preços internacionais das principais commodities) e as primeiras grandes manifestações de desagrado com a crise econômica, as famosas Jornadas de Junho de 2013.
A sequência da narrativa que acho mais possível, tomando emprestada a tese do Marco Antônio, é a seguinte: 
  1. AP470 - ensaio de golpe. Lula se recupera, termina o governo muito bem avaliado e faz sua sucessora, Dilma
  2. Desde o final de 2011, os preços internacionais das principais commodities começaram a cair, especialmente petróleo e minério de ferro. O Brasil é um país onde a venda das commodities tem importância fundamental nas exportações. Num primeiro momento essa queda não foi abrupta, mas começou a produzir dificuldades econômicas concretas e significativas na economia a partir da segunda metade de 2012.
  3. Em paralelo, Dilma promove grande queda da taxa de juros SELIC, o que tem o mesmo efeito que chamar a plutocracia (e a mídia que vocaliza seus interesses) para a briga. Começava a se criar um clima hostil contra ela.
  4. As dificuldades econômicas que começavam se se fazer presentes se constituíram num pano de fundo importante para a extensão e a profundidade dos protestos de 2013, as famosas Jornadas de 2013. Claro que as forças políticas de oposição ao governo Dilma e a articulação da mídia oligopolista foram fundamentais para mudar o fóco dos protestos iniciais, para aumentar sua articulação e para tocar fogo no país. Mas as dificuldades econômicas estavam bem presentes, e a mídia oligopolista ocultou, principalmente nas mídias impressa e televisiva, a existência de fatores externos na crise econômica que se instalava. Toda a responsabilidade pelas dificuldades econômicas estava sendo debitada a Dilma e seu governo. 
  5. A extensão e profundidade das Jornadas de Junho 2013 mostraram que era possível sim mobilizar muita gente contra o governo Dilma. Acho que o PSDB e os grupos golpistas do PMDB que se aproximaram dos tucanos na eleição achavam que Aécio seria eleito. 
  6. Em 2014, ano eleitoral, a queda das principais commodities adquire ritmo exponencial exatamente em outubro/2014, entre o primeiro e o segundo turnos. 
  7. No entanto, além de Eduardo Cunha conseguir eleger uma bancada de aproximadamente 140 deputados federais no baixo clero, que seriam fiéis a ele na votação para Presidente da Casa, e de o Legislativo ter alterado seu perfil para o mais conservador das últimas duas décadas, também Dilma vence a eleição e se reelege para um segundo mandato. Nesse momento, a drástica mudança no cenário macro-econômico faz Dilma mudar sua estratégia para a economia. A oposição e a mídia exploraram muito bem essa mudança ("estelionato eleitoral"), e Dilma errou na escolha do novo Ministro da Economia, o que fragilizou ainda mais sua posição. 
  8.  A derrota "inesperada" de Aécio, no entender desses grupos golpistas, sinalizou que não havia mais como esperar, e que o golpe deveria ser desferido a partir do dia seguinte ao da eleição. A partir daí, foi o que acompanhamos, com os "debates" e as votações deprimentes que se realizaram na Câmara e no Senado. 
Na minha opinião, essa foi a sequência do golpe de 2016.